alison

tudo o que ela esperava que eu fosse eu fui, tentar adentrar e supor os interesses de alguém é sempre uma tarefa falha ela me dizia sempre que era impossível me ler sendo que para mim ela era tão turva e impenetrável quanto eu era pra ela em todos os olhares distantes e afáveis outrora e todos os sorrisos acanhados com o olhar grande me fitando fixamente como se tentasse tirar algo de dentro de mim que pudesse ser um sinal e todas as conversas sobre a existência torpe humana e as baboseiras niilistas que eu percebia que me subestimava ao ponto de nao compartilhar completamente suas posições veementemente convictas e as conversações sobre o sexo a sociedade o gênero e os conteúdos superficiais do entretenimento inútil que a internet nos proporcionava ou os extensos e confortáveis momentos silenciosos da mais pura contemplação. nao me sentia suficiente ou magnética o bastante pra te atrair pro centro de mim. e mesmo quando você me elogiava dizendo o quanto me achava especial inteligente ou atraente fisicamente eu nao sentia isso de forma plena ou obtusa. talvez as sombras que me perseguiam ainda me persigam nas madrugadas insones em que eu lembro de ti e como lembro, de cada espaço de tempo que eu passei te admirando e esperando e contando as horas pra descer do ônibus e sentir o fartum doce do amaciante e do encontro, e de todas as coisas que a gente poderia viver naquelas 48 horas até eu entrar de novo naquele ônibus levando um rombo no peito difícil de ser preenchido. e apesar de sentir que nunca te correspondi de todos os contornos possíveis eu ainda te sinto presente. lembro do toque suave que sabia tornar ríspido quando urgente e o desejo que expressava enquanto a sua mão na minha garganta se fazia febril. te escrever não é uma carta de amor e sim uma tentativa desesperada de esquecer, tornar as sombras alvas de novo e seguir adiante sabendo que não será necessário adentrar outros corpos pra suavizar esse vazio pulsante que por mais que momentaneamente estabilize eu sei que vai voltar a vibrar em recaídas de melancolia vulnerabilidade embriaguez ou cinzeiros transbordantes. fumar sempre foi algo que nós duas detestavamos eu gostava de me manter pura pra satisfazê-la entretanto acabei substituindo os dopativos e antidepressivos por um maço por semana. eu tento entender juro que tento, mas tudo foi tão inacabado incompleto repentino que sorrateiramente essas memórias voltam a assombrar meus pensamentos como um lembrete de que o primeiro amor a gente nunca esquece ou qualquer chavão que desgostoso se adequa ao real e a minha rotina aqui dentro.
é ironico lembrar de você me perguntando se ja havia tido um primeiro amor com a cabeça escorada no meu colo seguido da minha cara fechada e pensativa supondo que não e dizendo em seguida - quando você tiver vai saber, o meu foi sobretudo físico que me impediu de comer e dormir por dias - e hoje eu penso que finalmente já tenho a resposta pra sua pergunta enquanto escrevo pensando em ti quase um ano depois do fim

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